quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

caracol

caracol se enrosca
pra dentro de si
e só sai se tem sol
vive de si
se sabe sozinho
se carrega nas costas
se lesma nas coxas
nas conchas
caracol é ninho
sei que me encolho
recolho
me limo
me lodo
me enrolo todo
mas quando não
sigo carreira solo
encaracolo no seu colo.


-

tempo mais distância

saudadi
saudida
d´ocê.


Com o pensamento em Pricila Ferreira Almeida.

in sônia

o sono se afasta
na marcha cadenciada
dos ponteiros
do relógio de pilha
que pulsam
pensamentos repulsantes
sobre você.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

neurose britânica



é preciso chegar em ponto
preciso chegar em ponto
chegar em ponto
em ponto
em pt

empty



segunda-feira, 8 de novembro de 2010

polaroid


De dentro da moldura branca
seus olhos grandes
e ternos
me encaram em foco
como um par de pequenos
buracos negros
de gravidade tão intensa
que sugam ruas, letreiros, pedestres,
cartazes, postes
ecos da cidade ao seu redor
sugam as cores
da imagem e da memória
deixando apenas
seus abismos
que há muito eu não vejo piscar.

-
caderno antigo; poema novo.

domingo, 24 de outubro de 2010

existentialisme



estou em um estado
tresloucado
entre o pertencer
e o deslocado
sentimento
de ser
ou não ser
- essa é a questão
de gosto
de tempo
de ponto de vista
para o mar, três quartos, varanda
panorâmica360graus
celsius, não,
fahrenheit451
(acho muito poético o conceito de pessoas-livro)
sempre me pergunto
se eu seria
prosa ou poesia.







quarta-feira, 20 de outubro de 2010

manhã de outubro

deitada na cama
catuco com os pés
a parede amarela
fazendo o sol
escorregar
pela perna
depois as coxas
primeiro a canela
duas meias mornas
de luz
que cintilam
a chegada do verão
ao meu quarto

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

relicário



guardo tudo em muitas caixas
cartas, poemas, retratos,
cacos,
postais, souvenir, estive aqui
e lembrei de você
sobre café e cigarros, legendado
dois do nove de dois
mil e cinco
três por quatro
os anos de colégio
os desenhos da Bia,
qualquer papel com sua letra
nostalgia.


segunda-feira, 11 de outubro de 2010

pausa




       não gosto do silêncio em si
    gosto do silêncio sustenido em mi
       quando gosto do silêncio em ti



-

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

poema pílula


Gosto dos poetas
retrovanguardistas
desses que fazem
poemas pílula
de farinha
pequenos placebos verbais
dizendo tudo aquilo
que você queria ouvir.

Gosto dos poetas
retroneomodernistas
que fazem poemas pílula
anticoncepcional
revoluções do prazer sexual:
amor, humor.

Gosto dos poetas
retroneopósmodernavantgardistas
que fazem poemas pílula
do dia seguinte
pensando ainda
no dia anterior.


-
Com o pensamento entre Oswald de Andrade e Odair José.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

vitamina


Escuto ao fundo
ela cantando na cozinha
acorda antes de todo mundo
mesmo de ressaca
sorri sozinha
pega as frases de ontem
os sonhos de amanhã
duas bananas
leite de soja
e bate
tudonoliquidificador
Marina Morena
você faça tudo
mas faça um favor

me deixe passar um café,
pega aí o coador.

-
Marina querida, sua gororoba matinal é incrível e saudável. Não me odeie, rs, beijos.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

teoria


se
tudo neste universo
é um sistema
- eu, você, meu quarto, a galáxia
e este poema -
e todo sistema
é fadado à entropia,
por que insistimos
mesmo com todos os ruídos, imprevistos
e a minha miopia?
por que gastamos tanta energia
para nos entender?
mais fácil seria
calar
apenas não dizer.


domingo, 12 de setembro de 2010

piquenique

























Wassily Kandinsky, Céu Azul (1940) Óleo sobre tela 100 x 73 cm.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

setembro


Tudo que você podia ser

nos meus ouvidos
e o recorte do sol
por entre as folhas
das árvores
na Praça Chaim Weizmann

- teria o estadista tantas flores?



sexta-feira, 3 de setembro de 2010

novembro


Novembro era
jabuticaba no pé
e o pé da gente a estourar
uma por uma
as bilhas escuras
que forravam o gramado.
A criançada corria
e a polpa escorria
por entre os dedos descalços.
Como uma estampa de pois
a jabuticabeira se vestia
de fruta

da cabeça aos pés.
Novembro era
se eu bem me lembro
o mormaço da serra
o medo de calango
e haja geléia
no café da manhã.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Pág. 112

No filme,
o ator principal lê o poema
que você me deu.
Ao fundo,
Lorenz Hart se pergunta:
" - isn´t it romantic? "
- pra caralho !



fade out

invento


estendi o poema
pra pegar um vento
dois pregadores
no varal de invento

enquanto isso
me inventa daí
que eu te invento de cá

ventila por dentro
a idéia de gostar
por agora,
deixa o poema quarar.


terça-feira, 3 de agosto de 2010

POESIA AÇAISÁSTICA

açaí
é isso aí:
a boca roxa
e um gosto doce de terra
descendo gelado
pela goela.



Para Álvaro, Marina, Rafael e Taiyo.
Todos muito chegados na fruta.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Rua Agostinho Menezes

A minha primeira casa
era feita de mãe, de vó, de bisa,
quatro gatos gordos
e tudo que a gente não jogava fora
em uma rua que fechava
aos domingos na Tijuca.
Nos fundos
dava pra ver o sol nascer
pra mais tarde virar lua
na janela da sala.
Os móveis eram antigos
os quartos amplos
cheios de nostalgia
e pelo.
O relógio de parede
estava sempre atrasado.
Os livros na estante,
empoeirados.
Na mesa,
ninguém comia
mas a música era sempre alta
e ninguém reclamava.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

.


pequenino ponto
pulsante
que pontua
o rítimo
da tua
minha
carne nua
reverberando ondas
espasmos
irrigando escarlate
por toda parte

quinta-feira, 8 de julho de 2010

memória

"Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória."
Carlos Drummond de Andrade.



Lembro de minha avó
sempre almíscar
e sua casa
de incenso e sândalo
em Botafogo.
Lembro de respirar
jabuticaba em novembro
dama-da-noite
quando anoitecia
e a maresia
na praia do Leblon.
Lembro de minha mãe
lençóis quarados
perfume de amaciante.
Era um cheiro confortável.

Talvez cheiro seja coisa da infância
e não exista na vida real.
Talvez cheiro seja lembrança.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

vaga lembrança


Ontem à noite,
a lembrança do belo
me escorregou pela pestana.
Um Botticelli
equilibrando-se no vazio,
lia
rente a porta
do vagão do metrô.
De sua cabeça andrógena
pendiam cachos,
línguas de fogo
que lambiam
as páginas
ruivas de combustão.
Vestido de éter
ele viajava de pé
camisa e calça
monocromáticos
em um tom
de nada.
Lembro
de cada botão
mas quando saltou
não li a estação.


domingo, 27 de junho de 2010

poeta de luz


Com cautela
e precisão,
o poeta se aproxima
do poema em questão.
Em único fôlego,
contrai o diafragma
fazendo a sombra
rimar com a luz
indireta,
no objeto-alvo direto
da sua objetiva visão.
Verso em foco
e todo o resto é rastro,
cor e ilusão
- mero borrão.
Ao som de uma
onomatopéia
é que o poeta
eterniza o segundo
da sua criação.

domingo, 20 de junho de 2010

monóxido de laranja


Na ponta do pé

ela se debruça,
encosta o peito
no parapeito
se esticando toda
para o fim de tarde.
Não via o sol,
este ausente
deixou apenas
o seu calor
de cor
de toranja
madura.
Céu nublado,
por entre a franja,
apenas via
tufos de algodão
embebidos
em Fanta Laranja.

Sai da janela, menina!
Deixe de bobagem,
que isso é só poluição.

-
Esse aqui é pro meu amigo Dorly e todos os sonhadores que detestam ser acordados. ;)

terça-feira, 8 de junho de 2010

palmeira


Vertical ela cresce
até rasgar o azul
e manchar de verde
a vista de quem
entorta o pescoço
no jardim botânico.
Vertical ela cresce
até se afastar,
até se isolar,
até não lembrar
da vida na cidade.
Imperial ela segue
até sabe Deus onde
até quem sabe encontrar Deus onde
tudo é silêncio.


sábado, 5 de junho de 2010

cremogema


Panela no fogo
a bisa mexia
no sentido horário,
tic tac na colher de pau,
pra não desandar.

Mingau no prato
come antes de esfriar!
quente, quente, quente
primeiro as beiradas,
cuidado pra não se queimar!

Louça na pia
deixa que eu lavo!
só pega um banquinho
pr´ eu alcançar.


quarta-feira, 26 de maio de 2010

balanço


No topo do mundo
ela é vento.
Basta um impulso
e o céu se aproxima
as pernas esticadas
deixando pra trás
o chão,
os cabelos,
a mãe
e seus zelos.
A liberdade,
suspensa por duas cordas,
dura o instante
de desejar ser livre
antes de ser tragada
de volta
pela paisagem.

domingo, 16 de maio de 2010

desnudar


Peça por peça,
me dispo.
tiro artigos, preposições – meros acessórios
desabotôo rimas
verso por verso
descalço sílabas de seda
presas na cinta métrica

puxo o zíper, exclamação (!)
escorrego vírgulas pelas pernas
deixo à mostra a interrogação

sozinha no quarto
uma palavra flutua
nua.



terça-feira, 4 de maio de 2010

poeira cósmica


Flocos flutuantes,
poeira dançante
no sol da manhã.
Pequenas estrelas
na nossa galáxia
de dezmetrosquadrados
em laranjeiras.
Cada livro na estante
explode
uma supernova
de páginas, de pó,
constelações inteiras,
poeira cósmica
que une em verso
nosso universo.

domingo, 2 de maio de 2010

prelúdio de primavera


Na claridade tímida da manhã,
delgado,
o felino se estica,
espreguiça, torce, contorce
e contorna com a cauda
as mornas pedras da varanda.

O largo bocejo
é interrompido
pela nova distração:
amarela,
ela voa ligeira,
vinda do jardim.
Paira
antes de ser espantada
por galhos de pêlo
e segue para o azul,
infinita.

-
Mais uma vez: Camila Andrade, na foto sua musa Frida : http://www.flickr.com/photos/camiandrade/

quarta-feira, 28 de abril de 2010

haikai do (quase) segundo amor


Por um triz
eu não me apaixono
por Beatriz.

domingo, 25 de abril de 2010

"you´ll shine like gold in the air of summmer"



No caminho para o centro, atravesso o aterro em um ônibus sonolento. A brisa de domingo, sem pagar passagem, ocupa todos os assentos ao mesmo tempo.
Lá fora, o céu nublado e a grama ensolarada onde a vida desfila, despretensiosa, independente de mim. Dois labradores puxam o seu humano para uma corrida ansiosa, faminta de verde. No canto da janela, uma bicicleta tenta alcançar a minha visão, mas fica para trás.
As pálpebras se fecham com a tentativa do vento de irritar a córnea exposta mas eu sei que, bem como antes, o cortejo da vida continua, indiferente ao meu olhar.
Entre os cílios, a risada muda de uns pequenos me diverte...como são bonitos os filhotes!
Lembrei como me faz falta uns fones de ouvido e logo no minuto seguinte desisti da lembrança, afinal, a música sempre me vem aos ouvidos, como a brisa aos olhos.
-
Com Gold in the Air of Summer - Kings of Convenience ecoando no caminho de uma tarde muito agradável.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

o espanto



Através de tão frágil ramificação

nasce o espanto,

como uma bomba cor-de-rosa

que explode

em meio ao concreto,

espalhando nuvens de pétala

para todos os lados.

A onda varre o quintal,

a grade

e a rua além da grade

contaminando a primeira passante que,

em um passe de mágica,

captura em luz e sombra a explosão.





-

Foto: Camila Andrade, amiga e fotógrafa inspiradora : http://www.flickr.com/photos/camiandrade/

segunda-feira, 12 de abril de 2010

haikai do primeiro amor

Disto eu me lembro:
foi alguma sexta-feira
no mês de setembro.



-

terça-feira, 6 de abril de 2010

brincadeira de menino

Brincadeira de menino,
paladino na ribanceira.

Brincadeira de menino,
franzino sem eira nem beira.

Brincadeira de menino,
contra o cristalino da ribeira.

Brincadeira de menino,
no azul-fino da aguaceira.

Brincadeira de menino,
desce fino a corredeira.

Brincadeira de menino,
desagua delfino na cachoeira.



terça-feira, 30 de março de 2010

restinga




Que neste verão nos consuma
o azul claro celeste cobalto índigo
turquesa ciano marinho,
todos unidos em uma
grande esssssssssssssssspuma.

sexta-feira, 26 de março de 2010

fragmentos da selva de pedras

Sentada no banco morno de cimento,
ela escreve.
Fim de tarde, o sol baixinho,
filtro laranja no olhar.
O carrinho de bebê, a água de coco,
a brisa bem vinda afasta o cabelo do rosto.
Quando as palavras acabam,
contorna com o lápis a sombra do próprio perfil.
Ao redor, um cachorro descobre a praça pela milésima vez
e, em seguida pela última, a menina.

-

Com o equilíbrio que só aqueles que ainda estão aprendendo a andar possuem, o menino vêm, rápido, como quem tenta alcançar o próprio braço esticado a sua frente. A pequena e roliça seta que ele chama de fura bolo aponta acusatória para a sua fantástica descoberta. O sorriso de dentes de leite sustenta a excitação enquanto ele procura dentro de si o nome para aquilo que vê.
No seu encalce o ímpeto materno, com seus longos braços protetores, o impede de avançar. Preso nas garras da autoridade ele protesta:
- “Cassôrro!” , acusa o menino. “Cassôrro!”
O réu, por sua vez, permanece impassível. Encara o acusador com um mínimo de curiosidade, não o despreza completamente porque desprezo é uma expressão felina, não cabe aos cães. Mas os cães, como coisa viva que são, também possuem suas idiossincrasias e talvez fosse a indiferença uma característica própria do animal em questão.
Há quem diga que o cachorro é sempre um reflexo do dono e neste caso, a regra não mostra exceção. Não muito distante da cena, sentado de frente para a mesinha de jogos - essas de cimento que tem o tabuleiro esculpido na superfície, habitat natural dos aposentados da cidade, o homem contempla a criança sem muito interesse. Alheio, não poderia ter muito mais do que uns trinta anos, a julgar pelos cabelos cheios e os músculos ainda rígidos, nem parecia se importar com qualquer coisa. Ao seu lado, o amigo ainda se mantinha sentado, sem coleira, como quem espera o que vem a seguir.
Esperou em vão, o a seguir não veio. Pelo menos não para o cão. À sua frente, o menino apenas sorriu, mostrando as gengivas dessa vez. Se deixando levar pela mãe, ele recuou deixando sua arma pender apontada para o chão.
Contente consigo mesmo, ele fez a curva escoltado pela redoma humana que ainda o cercava. A praça era o mundo e ele ainda tinha muito a descobrir.


-

A praça sussurra, lentamente,
a conversa dos mais velhos.
Entre um latido e outro as
crianças brincam, gargalham.
Ao fundo, a constante da cigarra
avisa a chuva de verão.
O ruído nas folhas é a brisa
suave que carrega o barulho
da praça pra dentro da gente.