quarta-feira, 26 de setembro de 2012

cinema

Voyeur Amoroso, Rubens Gerschman



embaixo da marquise os alunos
ficam juntinhos
(que saudades desse uniforme)
parece mais farra do que medo de se molhar




à noite na chuva,
tudo tem cor de cinema oriental
neon prismático
sobreposto
no rosto de quem passa
cada farol, letreiro e sinal
se decompõe em partículas caleidoscópicas
brilha como glitter
galáxias
na janela do ônibus
os pedestres flutuam apressados
sobre uma imensa Lagoa
refletindo
o avesso de quem são
repetidas vezes
nas gotículas da vidraça
nos abismos de luz abertos no chão
um casal se beijafazem charme um com outro
brincam 
de estar apaixonados

existe muito romance quando se olha para os lados


pergunta

e se te dissessem Arnaldo,
que você não iria morrer de dor?
ao invés disso
renasceria
são em um mundo doente
completamente consciente
do que é o amor?

terça-feira, 18 de setembro de 2012

estante


as prateleiras guardam tempos
como pequenos museus
envolvem em poeira
passado
objetos inanimados
bonecas, missangas, porcelanas
e dentes de leite,
tufos de cabelo em papéis
amarelados,
cemitério de quem fui

assoviando
o aspirador de pó
suga a morte da estante
cacarecos, badulaques
em sacos pretos muito grandes
assim se reduz antigos instantes

janela aberta, rajada de vento
as paredes respiram
a promessa dos espaços vazios









segunda-feira, 17 de setembro de 2012


na pracinha onde eu cresci
(tomei sorvete
quebrei um dente
e chorei por outro amor)
você me deixou
no chão de pedra portuguesa
sentadinhos em volta da mesa
de xadrez
um chororô tão grande
parecia tristeza
não demorou muito e passou
até hoje ainda não te agradeci.

domingo, 22 de julho de 2012

amarelinha


volta e meia
dou uma volta inteira
no meu caracol
volto
dentro da concha
cada giro completo
aumenta o casco
da minha espiral

me limo no silêncio escorregadio das pedras

mundo abismo
entre a lesma
e o espaço sideral
volto à casa de minha infância
deslizo no eterno das paredes
e a cada volta
vibra em mim o mantra
as cordas do relógio da sala
sigo a rota
do tarot de minha avó
e risco de giz amarelinha
na calçada pulo as pedras
um pé no chão e o outro não
o céu é a chegada
descanso pra voltar

sábado, 14 de julho de 2012

desbundante


quero ter um pé no chão
e cabeça atrás do coração
(coração coração coração)
desbundante
é a tarde numa rede
balanço de canôa
remar sempre pra frente
dar um chêro
- cafungada em cheio -
no pescoço de quem se gosta
andar em boa companhia
ter sempre quem me sorria
quando tudo está uma bosta
quero no peito a poesia
o corpo solto
aberto no espaço
dançar
quarar no sol
e enferrujar só na maresia


não ter sempre uma resposta

quinta-feira, 5 de julho de 2012

dança, s.f


transe consciente
que se sente
como quem transa;
expansão da mente
através do corpo;
solidificação do som
pelos membros;
convulsão;
epilepsia ritmada
disritmia no coração;
liquefação do ser
pelo suor
de quem escorre
no espaço
se entrega para o outro
em um abraço;
uma luta corporal
visceral disputa
entre o dentro e o fora;
percepção do tempo
pelo agora;
ritual;
dispersão molecular
do sujeito no ar;
andar no vento;
substituição da palavra
por movimento.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

carta para uma amiga


Querida amiga,

com o amor não se insiste
é como chamar uma visita
um convite
preparamos a casa
a dispensa fica cheia, tiramos o pó
varremos a sujeira
gerânios na sala, pêras na fruteira

apenas se permite
tiramos o trinco e estendemos capacho
pois ele não chega
pra quem muito resiste


de nada adianta que você se precipite
demore no banho
e troque de roupa três vezes
ouça um disco favorito
para abrir a porta 
espere
que a campainha toque

quinta-feira, 28 de junho de 2012

os escafandristas


na luz do inverno
o mar cintila escamas
um imenso peixe
ondulando
na superfície de si mesmo

azul
azul mais verde
a mais verde que existe
lilás madrepérola
um brilho distante
cortextura
um Van Gogh no Leblon

penso no pintor
e em seu país submerso
imagino o Rio
e os escafandristas
como Chico cantou

vasculhariam meu quarto
e o que encontrariam?
alguns poemas
flutuantes
amores-espuma
e saudades nas estantes

ondulo
na superfície de mim mesma
os poros cintilam suor
como escamas de um peixe

mergulho



quinta-feira, 21 de junho de 2012

recortes da escola


O uniforme esquisito. O uniforme fetiche. A vergonha da saia. Os meninos que se escondiam embaixo da rampa pra ver nossas calcinhas. Formar nas segundas-feiras pra cantar o hino. Demorar a aprender o hino. As aulas de flauta. O coral. Minha primeira bronca por matar aula. O golpe da caderneta. O golpe da menstruação pra não fazer educação física. A bagunça no vestiário. Tomar ducha de água gelada. A bibliotecária evangélica. Jogar rpg nas escadas. O casal de inspetores. Chegar mais cedo pra almoçar na cantina. Macarrão com salsicha. Abraço todo dia. As aulas de artes. Pintar o cabelo com papel crepom. Suco de groselha. Colar e passar cola. O calor nos dias de verão. Emblema no peito. As brincadeiras no pátio. Montinho. Os saraus. Estudar em grupo no refeitório. Os apelidos dos professores. A melhor professora do mundo. João Cabral de Melo Neto. O primeiro amor.  


Enrolar na rua pra não voltar pra casa.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

nota





estar só é uma condição mais erótica que um relacionamento. pintar as unhas ou ouvir Nina Simone são maneiras honestas de se sentir mais sexy





(yes, she does; yes she does)

-

terça-feira, 19 de junho de 2012

quem ama, cama.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

baby,

não quero ver
o contorno
do amado desenho de sua boca
se contorcer
suave
em um sonoro
"eu te quero"

quero apenas sentir
nos meus poros sempre abertos
ao amado peso de suas mãos
suaves
um sincero
"eu te espero"

espero
te ensinar
que no amor
as palavras são aliadas
daqueles que temem o passar das horas
e como arma para os covardes
explodem assustadas
aquilo que não teve tempo de ser ditopor si mesmo.

terça-feira, 29 de maio de 2012

sobre a timidez


sem querer
e de propósito
a gente se esbarrava
e sem saber o porquê
nunca se olhava
(ao mesmo tempo)
os olhos escorregavam
pelas bolsas
pelos bolsos
procuravam celular, cigarro, calabouços
contornavam as órbitas
constrangidos
procurando abrigo
fora dos óculos
e mesmo quando um
ou outro
forçava o encontro
era de bom tom
e maior conforto
que as pupilas contornassem
as bocas
vacilantes como as de um peixe
abertas em bolhas de silêncio

sábado, 7 de abril de 2012

à noite
as árvores ganham os tons amarelados
do luar dos postes
meia luz que se mistura
com faróis
semáforos
esse taxi está livre
aquele não
um bokeh de cores
todos flores
desabrochando no breu da cidade

terça-feira, 13 de março de 2012

tato #2

Um dia Ribamar existiu pelo tato
os anos lhe pesaram na mão
sólidos como seu crânio
enquanto a certeza da morte
escorria macio por entre os fios de seu cabelo


(com certeza mais finos
e escassos do que os meus)


fecho o livro
e o poema me nasce no mundo
como a capacidade tátil nasce Ribamar


brinco por um tempo
com um fio solto por entre os dedos
esqueço de existir.


segunda-feira, 12 de março de 2012

notas sobre a dexistência com x


chamo de 'dexistência'
a prazerosa prática de não ser.
pequenos exercícios que me proporcionam
momentaneamente
a experiência abissal de abandonar a existência
em todos os termos físicos e Aristotélicos.

exercício #1:
como quando aos seis anos
devo espremer os olhos
e soltar os membros no vazio
por fim, preciso apenas
girar
o mais rápido possível
( a velocidade dá a liga entre o dentro e o fora )


exercício #2:
enterrar meu rosto em sua mão
sufocar as narinas
e cegar com a pressão do toque
não emitir um som
ser todo tato
toda palma
( o calor garante a calma de esquecer )


domingo, 12 de fevereiro de 2012

eu conto cinco palmos de tato
onde os pelos antecipam o toque
como aspas em um livro
se eriçam das páginas
adiantando o discurso
como os sensores dos prédios
se atiçam em luz
prevendo nosso percurso

conto
um palmo de papel
onde a tinta antecipa a palavra
cinquenta palmos de calçada
cada passo mais perto da chegada.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

raiva de quem sabe


quero
dizer tudo o que eu não sei
e desdizer depois
nunca saber
se ou quando
vai chover
como ou quanto
você me ama
que horas são
se estamos perto ou não
do fim

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012






a palavra é o suicídio da ideia



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