quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

casa

De volta da feira
melhor puxar mais cadeira
toalha nova
a sala cheia
a sobremesa é torta de limão

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Depois do almoço
cada um cai num canto
enquanto
o silêncio entra em casa
pela frestinha da janela
fazendo eco nas paredes
que escutam o ronco do vovô

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Tardinha
chá de laranja
(que tem gosto de cheiro bom)
e as gargalhadas da Maria
ouvindo radinho de pilha

-

Noite vazia
os quartos dormem tranquilos
embalados a maresia

recorte do centro #2

Avá-canoeiro remando sentado
no ladrilho da escadaria
e a gente cantando
pra frente, pra trás
no mar colorido
na canôa de pedraria.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

recorte da infância #3

acordar antes da casa
e se esparramar
nas ripas de sol das lajotas da sala
como os gatos faziam
todas as manhãs

colar as bochechas
no chão morno

os cabelos dourados
a pele mais branca
e uma nuvem de pêlos
girando na claridade

terça-feira, 22 de novembro de 2011



o corpo é um bairro de ruelas estreitas
deve ser percorrido com a calma de um cegoque enxerga com a ponta dos dedosa palma e as costas 
das mãosa visão texturizada de pêlos 
e relevosde quem sabe mais entre os cíliose se desorienta pelos ouvidospara chegar por último no abismo de ruídosonde nos levam 
todos os caminhos pulsantes





quinta-feira, 22 de setembro de 2011

recorte de infância #2

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quando pequena,
tinha um medo danado
de ser absungada
pelo galã extraterrestre
da novela das sete





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recorte da infância #1

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o trânsito visto da janela
são duas jóias
diamantes e rubis
enfileirados
no pescoço da cidade





.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

inverso

o poema é o inverso da fala
revirada na alma
exposta do avesso
cada osso cada nervo
todo gozo e todo medo

o verso é avesso a calma
atropela o poeta
um caminhão invisível
dois mil quilos
de carga indizível




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sexta-feira, 5 de agosto de 2011

recorte do centro #1

Aquela tarde na Carioca
nós flutuávamos de mãos dadas
por cima dos discos nas calçadas.

Lembro de você me olhando
e o Roberto Carlos olhando
por debaixo da minha saia.

Nós flutuamos na calçada.

A brisa quente dos bueiros do metrô
nas canelas nuas da primavera.

Ninguém se importava
nem eu, nem você
a gente apenas flutuava.


De mãos dadas, na calçada.


-

domingo, 26 de junho de 2011

trato



Wassily Kandinsky, Composição V, óleo sobre tela.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

sudoeste

o meu tempo
eu invento
sudoeste, mar adentro
maré cheia
em ventania de pó
eu carrego poeira

e quem quiser que feche os olhos.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

maio

minha dor não é mais azul que o céu de maio.

e essa vontade de transformar
tudo que eu sinto em outono
como as árvores que escolhem
o dia mais bonito do ano
para se livrar
das folhas que não lhe servem mais.


minha dor não é maior que a Praça de Maio.

e essa vontade de marchar
tudo o que eu sinto em protesto
como as mães que escolhem
o mês mais bonito do ano
para chorar
por tudo aquilo que não volta mais.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

janela indiscreta

bem-te-vi:
mal te quis
e já saiu voando.







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segunda-feira, 4 de abril de 2011

ausência

eu não estou mais aqui.
aqui, apenas as palavras residem
isentas de minha essência
ou existência
por conta própria
elas dizem
livres de minhas significâncias
elas flutuam
nos vazios dos sentidos
expostas para as ânsias
da sua interpretação

aqui, apenas o dizer
de um ausente
que repete
somente
o que você quiser entender.

quinta-feira, 24 de março de 2011

é como quando o silêncio chega,
passos largos e pesados
e se larga no sofá entre a gente
afundando a almofada
você pergunta o que que foi
e eu sempre digo
- nada.

sábado, 12 de março de 2011

vôo de uma abelha ao redor de uma romã

sonhei que acordávamos
atrasados
enrolei uma meia hora
de cinco minutinhos
e fiquei presa embaixo
dos seus braços pesados
você me contou
um pesadelo engraçado
e a história de uma cicatriz
qualquer coisa, passado
agora não me lembro
não lembrei nem na hora
fechei os olhos e esqueci
e com eles fechados
vi você se vestir
continuei assim
não lembro de te ouvir sair
quando voltei a dormir
acordei
você não estava mais aqui


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sábado, 29 de janeiro de 2011

isca

meus olhos piscam
faíscam
sinais
pisca alertas
alertando a explosão
das pálpebras abertas




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a cidade cresceu ao meu redor
ou meu redor que cresceu a cidade?



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